Ser diferente

quinta-feira, 30 de julho de 2009
Assim como muitas outras pessoas GLBT, também me lembro de me sentir diferente antes de descobrir. Não estou a falar de ser considerada maria-rapaz, ou confundida com um rapaz quando na casa-de-banho das meninas (se bem que também me aconteceu bastantes vezes), mas de algo um bocado mais profundo.

Quando, na primária, via as minhas colegas a delirar com rapazes, encolhia os ombros sem perceber muito bem e dizia para comigo “elas são parvas. Ainda somos tão novas para isto”. Podem crer que a minha mãe adorava que eu lhe dissesse isto (hoje era capaz de chorar). Adiante: passou a primária e veio a adolescência com suas hormonas, caindo por terra a desculpa do “sou muito nova”. As minhas amigas começavam agora a correr freneticamente atrás de todos os meninos que se dignassem a levantar os olhos da bola de futebol. Eu preferia em larga escala jogar com eles. A minha teoria teve de mudar, tornando-se num realista “eu não sou demasiado nova, mas eles sim. Os rapazes da minha idade são ainda demasiado crianças”.

Nos anos seguintes, o meu desinteresse perdurou e dei voltas à cabeça para perceber o porquê. As minhas justificações foram várias, desde o “se calhar só me interesso se um se fizer a mim. Como sou feia e nenhum se interessa, também não procuro” ao “devo ser assexuada”, passando pelo “aqui os rapazes são parvos, feios e cheiram mal. Não são rapazes a sério; os rapazes a sério devem estar noutro sítio e por esses sim vou sentir interesse”. Yup, minhas caras, pensei bastante no porquê de ser diferente, sem descortinar a resposta.

Nesse tempo todo, não me cabia na cabeça que pudesse gostar de raparigas, apesar de todos os indícios. Entre eles: os meus primeiros beijos (e não foram poucos) foram dados a uma rapariga antes sequer de ter entrado para a primária (para isso já não era muito nova!); nunca procurei ter amigos rapazes; tive algumas fixações muito intensas em amigas (hei-de desenvolver uma em especial); olhava com uma gigante admiração algumas mulheres, mas nunca o fiz com homens... Mas não, juntar as peças de uma maneira que contrariasse o que me tinha sido ensinado revelou-se muito mais difícil do que magicar teorias improváveis e desprovidas de sentido.

Entretanto lá voava a adolescência, aquele período belo e confuso onde são intensos os ardores e amores, as primeiras intimidades, as mais marcantes experiências...e eu parada, fechada num quarto a perguntar-me porque é que, apesar de querer viver isso como os meus amigos, não havia um único rapaz em quem pensar dessa forma não me desse uma certa náusea? Mortifiquei-me e odiei-me por ser diferente. Seria eu uma anormal? Confesso-vos que isto me moldou e que ainda hoje que me entristece pensar que não vivi nem explorei na altura em que deveria. Talvez por isso, ainda hoje sou diferente. Talvez por isso, sempre que vejo uma pessoa GLBT, sinto em mim o terno afago da esperança "serás também diferente?" Porque, bem cá no fundo, só quero ser igual.

1 Portas LEScancaradas:

Bubucore disse...

Fogo pah. Escreves bem pa caraças!!

Isso de ser diferente... no meu caso n me cheguei a sentir assim tao diferente dos outros.
Sempre tive um bom grupo de amigos ao longo dos anos da primaria e secundario no qual me mantive sempre integrado. Sempre com uma certa pressao para passar o inteiro intervalo a jogar futebol (para o qual n tenho jeito algum)e verdade, mas ate cheguei a ter umas pseudonamoradas nos primeiros anos de escola.
Onde me senti diferente foi nos acampamentos enquanto Escoteiro. Nunca percebia a necessidade que os meus colegas tinham de, sorrateiramente, fazer visitas à tenda das raparigas, durante a noite. Eram sempre apanhados e acabavamos todos (rapazes e raparigas) fora dos sacos de cama a encher como castigo..

Enfim.. de resto so posso dizer que custou ao inicio.. admitir que era gay fez me sentir um pouco (muito) sozinho. Mesmo sabendo que ha muita gente gay por ai, demorou ate me sentir integrado nessa comunidade.
Mas pronto, era so um empurraozinho que estava a faltar.