Avante, mas retrógrados

terça-feira, 8 de setembro de 2009
A Festa do Avante é um evento que, independentemente das orientações políticas do pessoal, representa manifestamente um apelo à igualdade ou, como eu prefiro dizer, ao respeito pela diferença. Todos são, durante três dias, camaradas: desde o Jerónimo lá no palco, ao ricalhaço que veste o seu kit Avante e se torna comunista temporariamente, passando, é claro, pelo trabalhador precário que se acerca das bancas com o seu copo de cerveja, os seus colegas e amigos e um sorriso que guardou especialmente para a ocasião. Um sorriso real, sentido, mas que é antítese da sua vida, pois opõe-se drasticamente ao trabalho árduo e sofrido da sua existência. À falta de meios. Aos tostões contados. À crise. À exploração por parte de empregadores magnatas e oportunistas, cujo foco está somente no frio, gélido resultado da diferença entre receitas e despesas.

Não. Nesses três dias, não há pingo de suor que não traga atrelada a miragem da esperança. A esperança de que o poder não está nos números, mas nas pessoas e no seu bem-estar. Agita freneticamente a bandeira do partido que acredita dar-lhe não só políticas sociais mais justas e igualitárias como também respeito e uma voz com impacto. Ali, ele não é um mero cidadão de segunda, ou uma formiga sem importância que só causa chatices aos empresários capitalistas. Ali, é ouvido, sentido, compreendido enquanto Ser Humano. Já com a visão turva pelos copitos de cerveja, abraça os camaradas e ouve a Carvalhesa como se das palavras do Messias se tratasse. Um tenho valor! Não sou menos do que ninguém! Ninguém tem o direito de me menosprezar! rufa na sua cabeça ao ritmo dos tambores.

Acaba a Festa, continua o sonho. A luta e o suor podem esperar por um amanhã que chegará cedo demais. Até o sono o levar por vencido, toma como combustível a efémera certeza de ser Humano e marcha aos saltos até casa, saltando e berrando Avante, camaradas! Avante!
Pára à beira da estrada com os restantes colegas, com um tal ardor de igualdade que não conseguem não tirar as camisolas. Vê outros camaradas passar, sorri-lhes com confiança e alegria, dança como nunca pensou poder fazê-lo e usa os pulmões como que acabado de nascer: gritando o mais alto possível Avante! Por entre os camaradas que iam passando, vê do outro lado da estrada dois homens de mãos dadas, a ir colocar qualquer coisa no contentor do lixo. Com o mesmo entusiasmo, berra agora por entre risos e manguitos: Maricas!!! Olha os maricas!! Bicha bicha bicha bicha! Ahahah! Maricas!



...e eu vi e não fiz nada. Cobarde. Agora só penso: devia ter partido ao meio aquele verme que mal ler sabe. Avante, mas retrógrados. Todos nós.

1 Portas LEScancaradas:

Anónimo disse...

Desculpa a invasao, mas gostei do que escreveste ;).
Continua :)